quarta-feira, 23 de abril de 2008

Artigo Diário Económico 23.4.2008 "Contra o Sol"

Contra o Sol

Não é um repto a evitarem a praia no fim-de-semana (julgo que o calendário de frequências já tem esse efeito...), mas uma simpática leitura sobre concorrência.

Quem agora optar pela privatização sabe que o monopólio legal tem os dias contados; não pode invocar desconhecimento.Maria Manuel Leitão Marques“A sorte do produtor” deve ser protegida da “concorrência de um rival estrangeiro que beneficia, ao que parece, de condições tão superiores às nossas, para a produção de luz, que dela inunda o nosso mercado nacional a um preço fabulosamente baixo; pois, assim que ele surge, a nossa venda cessa, todos os consumidores se lhe dirigem, e um ramo da indústria francesa, cujas ramificações são inumeráveis, é subitamente atingido pela mais completa estagnação. Este rival, que não é senão o sol”.“Pedimo-vos pois a gentileza de criardes uma lei que ordene o encerramento de todas as janelas, lucernas, frestas, gelosias, portadas, cortinas, postigos, olhos-de-boi, estores, numa palavra, de todas as aberturas, buracos, fendas e fissuras pelas quais a luz do sol tem o costume de penetrar nas casas, para prejuízo das boas indústrias de que nos orgulhamos de ter dotado o país, que não poderia sem ingratidão abandonar-nos hoje a uma luta tão desigual.”Era assim, desta forma cheia de ironia, que F. Bastiat contestava, no século XIX, a posição dos Deputados da Assembleia Nacional francesa, favorável a um fervoroso proteccionismo económico. Mesmo que essa discussão não tenha perdido a sua actualidade, esta petição contra o sol suscita hoje outras lembranças.Recorda as posições recentemente publicitadas dos que acham que o conteúdo da sua profissão deve permanecer protegido de qualquer mudança, ignorando o prejuízo que assim resulta para a maioria. Dos que sustentam que a lei, o Governo, a Assembleia, o Presidente, os devem defender da suposta concorrência desleal que lhes é imposta pelo “sol”. Ainda que esse mesmo “sol” permita poupar tempo e dinheiro. Diminua os custos de contexto e de oportunidade para as empresas. Facilite a vida aos cidadãos. Evite verificações redundantes. Aumente a eficiência dos serviços. O que é isso, afinal, face aos interesses daqueles a quem o “sol” diminui as vantagens do negócio?Há, portanto, que pintar o discurso da insegurança e da catástrofe, procurando, a todo o custo, arrebanhar aliados para a sua posição, um pouco ao jeito do que fazia a petição.“E se fechardes primeiro, tanto quanto possível, todo o acesso à luz natural, se assim criardes a necessidade de luz artificial, que indústria em França não acabará por ser encorajada? Se se consumir mais sebo, terá de haver mais gado bovino e ovino (…). Se se consumir mais óleos, ver-se-á expandir-se a cultura da papoila dormideira, da oliveira. (…) Não haverá pois um único ramo da agricultura que não tenha um grande desenvolvimento. O mesmo para a navegação: milhares de barcos que se dedicarão à caça da baleia, e em breve teremos uma frota capaz de suportar a honra da França e de responder à sensibilidade patriótica dos peticionários abaixo assinados, comerciantes de velas, etc.”. Rejeite-se, portanto, o “sol” que não teve em conta as suas expectativas. Rejeite-se o sol que é contra a sua tradição. A tradição da forma. A tradição latina do modelo. Do papel para lá, do papel para cá. Da espera. Da desconfiança. Da multiplicação dos controles públicos sobre o mesmo negócio, com pouco ou nenhum valor acrescentado. Rejeite-se o sol por que não contavam com ele quando investiram nas suas “fábricas de velas e de candelabros”. Rejeite-se o “sol”, mesmo que a sua chegada tenha sido previamente anunciada: “É, por isso, essencial que fique muito claro: não reconhecemos o direito adquirido ou, sequer, a expectativa legítima da manutenção do duplo controlo. Quem agora optar pela privatização sabe que o monopólio legal tem os dias contados; não pode invocar desconhecimento ou alteração imprevista das circunstâncias. O risco fica desde já muito claramente definido.” (Diário da Assembleia da República, 3 de Julho de 2003).
Maria Manuel Leitão Marques, Secretária de Estado da Modernização Administrativa

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